terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sobre Caim

Já lá vai a polémica sobre o último livro de Saramago. Pessoalmente tenho a adiantar que ainda não li o livro. Ele está em minha casa, a minha mulher já o leu e eu fá-lo-ei à primeira oportunidade. Este fim-de-semana li uma entrevista de Pilar del Rio, companheira de Saramago, uma mulher espanhola com um percurso de vida no mínimo fascinante e, a certa altura, deparei-me com uma sua resposta acerca das opiniões veiculadas pelos nossos opiniomakers nos jornais e revistas e programas de televisão. As opiniões derivaram da repugnância è repugnanciazinha. Pois bem, mesmo não tendo lido o livro não creio que o que escreverei neste texto seja desvalorizado por esse facto confessado. A verdade é que o que mais me chocou foi a ofensa sentida perante as palavras de Saramago. Não as do livro pois, como já referi, não o li ainda. A Igreja católica é uma instituição milenar com enorme preponderância civilizacional. Pessoalmente não acredito em deus mas acredito que Jesus Cristo tenha existido, enquanto homem, enquanto alguém amigo das pessoas. Tudo o resto me escapa devido à inteligibilidade que se me apodera ao olhar todos os fenómenos circunscritos ao ser crente.
Jesus foi executado pelos poderes, era um homem que defendia os fracos, era contra certos poderes estabelecidos e inculcados, era homem de carisma que tinha uma visão humana das coisas. A sua morte foi, quiçá, irreparável. A Igreja surge do poder que o executou. A sua força na sociedade era tal que os mesmos que o executaram e torturaram lhe usurparam o carisma e os feitos de uma vida para imporem os seus requisitos soberanos. Há até quem afirme que Jesus foi o primeiro dos comunistas. Corroboro. Adiante.
A igreja Católica é uma farsa antiga mas uma verdade dolorosamente real. Desde a inquisição e ao atraso gigantesco que aconteceu aquando das destruições de milhões de palavras humanas, ao simples manobrar psicológico que acontece diariamente, a arrogância, o conservadorismo, a incapacidade de ser “moderno”, a resiliência em continuar lapa nos tempos obscuros da história humana, tudo isto me faz olhar a Igreja com extremo desdém.
Os valores ensinam-se na escola. Uma escola laica como consagrado na constituição. Com professores educados para educar. Não é manipulação é seriedade e inteligência. O amor está dentro de nós à espera de ser despertado. Eu não preciso de um livro para me ensinar o que é o amor. Preciso estar vivo e ter um ambiente à minha volta que propicie esse crescer. E preciso de livros, não um, mas muitos. Preciso de ler muitos livros, ler o peito de muitas pessoas para adiante alongar o meu próprio peito. Afinal, um livro absoluto não deixa de ser absoluto e muitas coisas e pessoas já foram absolutas, tudo e todas contra a felicidade do povo.
Não querendo alongar-me demasiado sobre o assunto apenas escrevo que é bom que tenhamos Saramago. É um escritor único, de uma estirpe que rareia. Pode não se concordar com algumas opiniões dele, eu pessoalmente raramente discordo, mas que é um enormíssimo escritor, é. E este modo de vida simples e concordante, em que tudo se aceita de forma ligeira não é bom para ninguém. Façamos algo. Ele, Saramago, há muito começou. Convocar a Igreja para discutir a bíblia é mais que positivo. Transcreva-se esse desafio a outros memorandos da vida civil. Fale-se e discorde-se. Evolua-se! Dos debates e reacções da igreja detenho o seguinte: eles reconhecem, tanto como muitos, que a bíblia é um romance muito bem escrito e que, se houvesse milagres, todos nós, sem excepção, acreditaríamos nele.
Nunca pensaria ofender os crentes porque os respeito muito e não quero que tomem estas palavras como desuso da rectidão. Todos temos a necessidade de acreditar em algo. Eu acredito nas pessoas e assim o farei até prova em contrário. Quanto a Caim, mais uma semana e sobre ele aqui escreverei. Pela reacção da minha companheira vou gostar bastante.
Tenham uma opinião fundada sobre os assuntos, sabendo o que está por trás de tudo. Não se rejam pelas opiniões de uns quantos, uma mão meio cheia de hipnóticos diletantes. Escrevam os vossos próprios passos e sejam o que são: humanos. Desta condição garanto-vos que não sairão.
“Saberemos cada vez menos o que é ser humano”. Com estas palavras de Saramago iniciei este blogue e deste artigo me despeço com elas. Apesar da aparente carga negativa, um alerta pode ser extremamente iluminador.

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